Da primeira Grande Muralha, que protegia a China agrícola da Mongólia pastoril, à construção, na dinastia Sui (589-618 a.C.), do Grande Canal, ligando Hangzhou no Yangzi até Pequim. Da construção de obras hidráulicas para a contenção de enchentes, à planificação econômica e o avanço técnico em diferentes setores, a necessidade de construção de grandes obras e o investimento em infraestrutura ligam-se à história da China. A CCCC postula-se como uma das herdeiras deste processo de reencontro com a construção histórica da China.
A CCCC, sigla de “China Communications Construction Company” (中国交通建设 | Zhōngguó Jiāotōng Jiànshè), é uma empresa majoritariamente estatal especializada na construção de instalações de infraestrutura de transporte. Uma das líderes mundiais em projeto e construção de portos, equipamentos portuários, dragagem, projeto e construção de estradas e pontes, ferrovias, metrôs, aeroportos e outras instalações de infraestrutura de transporte, a empresa está representada em 139 países.
A empresa pertence majoritariamente à SASAC, ou “Supervision and Administration Commission of the State Council” – instituição ligada diretamente ao Conselho de Estado, responsável pelas ações deste dentro dos “grandes conglomerados empresariais estatais”. Sua origem se dá a partir da fusão entre as empresas “China Road and Bridge Corporation”, formada em 1979, e a “China Harbor Engineering Company”, surgida no ano seguinte. Em 2005, elas foram incorporadas sob o nome de “China Communications Construction Company”, ou “CCCC”, estando, esta, subordinada à SASAC. O ano de 2005 marca o início das suas operações sob este nome.
A CCCC implementou um extenso número de grandes projetos na China e em outros países, incluindo o design e a construção de 7 dos 10 maiores portos do mundo em termos de “giro de carga”, o design e a construção das pontes mais longas do mundo e a construção de rodovias. A empresa participou diretamente do desenvolvimento e da implementação da maior ponte do mundo; a ponte Hong Kong – Zhuhai – Macau (HZM) é uma ponte/sistema de túneis de 55 quilômetros que consiste em uma série de três pontes estaiadas, um túnel submarino e quatro ilhas artificiais. É a mais longa “ligação fixa” em mar aberto do mundo. A HZM abrange os canais Lingding e Jiuzhou, conectando Hong Kong, Macau e Zhuhai – três cidades principais no Delta do Rio das Pérolas.
A ponte HZM liga três grandes cidades que são geograficamente próximas, mas separadas por água. Com a instalação da ponte, o tempo de viagem entre Zhuhai e Hong Kong foi reduzido de cerca de quatro horas para 30 minutos. O projeto da ponte é parte de uma estratégia visando criar um centro econômico e promover o desenvolvimento econômico de toda a área do Delta do Rio das Pérolas, que também é conhecida como Área da Grande Baía.
A China há muito enfatiza a necessidade de construir estradas, rodovias e pontes para fomentar o desenvolvimento do país. Como indica o estudo “Chinese Poverty Alleviation Studies: A political Economy Perspective.”1, “No final de 2019, o comprimento total das estradas na China em áreas rurais havia chegado a 4,2 milhões de quilômetros, e todos os municípios e vilas tinham estradas pavimentadas. Somente de 2016 a 2019, 16.900 quilômetros de vias expressas nacionais foram construídos ou reformados em áreas atingidas pela pobreza.” Soma-se a isso a expansão do acesso à Internet por fibra óptica. Um maior acesso e cobertura permite que as distâncias espaciais e temporais entre as regiões empobrecidas e o mundo diminuam significativamente.
Os projetos de infraestrutura também são de importância fulcral para o combate à pobreza – assim como o foram para a vitória sobre a pobreza extrema. Ao melhorar a infraestrutura e a inovação tecnológica, as áreas pobres são mais capazes de se integrar ao mercado, trocar e receber recursos de outras regiões e aumentar sua capacidade de produção e suas habilidades de trabalho. Tal dinâmica também permite que o crescimento da renda seja expandido, e aqueles que vivem na pobreza alcancem um nível de crescimento da renda mais alto do que o da sociedade como um todo, também aumentando sua capacidade de consumo e demanda, promovendo, assim, a produção e o intercâmbio e criando condições realistas para uma maior distribuição.
Investimentos externos: Nova Rota da Seda e Brasil
Lançada oficialmente em 2013 pelo presidente chinês Xi Jinping, a “Nova Rota da Seda (Belt and Road Initiative – BRI)” – também referida como “Iniciativa Cinturão e Rota – é um processo de integração, a partir de mecanismos de cooperação, centrado na implementação de obras de infraestrutura (transporte, comunicação e energia), abrangendo diferentes áreas do desenvolvimento social. O ponto de partida do projeto, nesse sentido, é a inserção internacional da China e a sua capacidade de execução e investimento em expressivas obras de infraestrutura. O país tomou “medidas concretas para apoiar outros países em desenvolvimento na construção de conectividade de infraestrutura e ajudá-los a se integrarem melhor às cadeias de fornecimento, industriais e de valor globais”2. Desde seu início, mais de 100 países e organizações internacionais aderiram à “Iniciativa Cinturão e Rota”. Como destacou o presidente chinês, Xi Jinping, no último Fórum Econômico Mundial, em Janeiro de 2021, “Como membro constante do mundo em desenvolvimento, a China aprofundará ainda mais a cooperação Sul-Sul e contribuirá para os esforços dos países em desenvolvimento para erradicar a pobreza, aliviar o peso da dívida e alcançar mais crescimento. A China se tornará mais ativamente engajada na governança econômica global e impulsionar a globalização econômica que seja mais aberta, inclusiva, equilibrada e benéfica para todos “3.
Ocasionalmente, a partir de esforços retóricos especulativos, acende-se falsa polêmica acerca da natureza dos investimentos chineses em infraestrutura na América Latina e, principalmente, no continente africano. Argumenta-se que estes levariam à armadilha da dívida. Nesse tocante, David Monyae, diretor do Centro de Estudos África-China da Universidade de Joanesburgo, África do Sul, em entrevista para o site Belt and Road News, afirma que muitos atores no ocidente visam “minar a cooperação chinesa e africana no que diz respeito ao desenvolvimento nacional”. Uma simples análise pormenorizada mostra que a condução dos negócios por parte dos atores envolvidos nos acordos e projetos é suficiente para enfraquecer tais especulações. Os financiamentos que a China faz são acordados a partir de juros baixíssimos, sem contrapartidas, o que por si só já indica uma dinâmica distinta daquela costumeiramente imposta pelo FMI, girando em torno de cobrança de uma série de medidas austeras dos governos e de taxas de juros elevadas. Os projetos empreendidos pela Iniciativa criam condições para que esses países possam se desenvolver e condições para pagar esses empréstimos.
Em sintonia com estas constatações, o acadêmico argentino Javier Vadell, professor de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas) e membro da Rede de Estudos Brasil-China (RB China), em entrevista para a rede de notícias Xinhua, destaca que “A China tem a diferença de não impor um modelo aos outros países. O Ocidente impõe modelos, baseados na financeirização da economia e não no desenvolvimento.” e que tal relação “não gera dependência, como fazem outros modelos de relacionamento entre nações”, como também demonstra o trabalho da acadêmica Deborah Bräutigam, professora na Johns Hopkins University e referência no assunto.
A CCCC tem sido uma contratante para vários projetos da Iniciativa Cinturão e Rota. No contexto brasileiro, destaca-se a construção do porto de São Luís, no estado do Maranhão. Segundo palavras do cônsul-geral da China em Recife, Yan Yuqing, em entrevista para o canal Radar China, este é “O primeiro projeto investido por uma empresa chinesa no setor de infraestrutura no Brasil”. Com investimento de R $800 milhões, a obra abrange uma área de dois milhões de metros quadrados e, após a conclusão, será conectada à ferrovia Carajás, permitindo, assim, a interconexão entre porto e ferrovia. Tal projeto permitirá aumentar a competitividade e a criação de empregos locais. Estima-se que irá gerar “2,5 mil empregos diretos durante esta primeira fase, além dos empregos indiretos “, priorizando a contratação de mão de obra local. “Este será um dos maiores portos de produtos a granel do Brasil, com um corredor logístico que envolverá o escoamento da produção de estados do Nordeste e Centro-Oeste”9. O projeto é fruto da iniciativa Cinturão e Rota e atende ao princípio da iniciativa que é criar bem-estar para as populações que se estendem ao longo da rota.
Destaca-se, ainda, o recente contrato firmado em um consórcio formado pela CCCC e a “China Railway 20 Bureau Group” (CR20) para construção da maior ponte da América Latina, ligando a cidade de Salvador e a ilha de Itaparica. “O empreendimento terá 12,4 km de extensão e se constituirá como a maior ponte sobre lâmina d’água da América Latina, superando, nesse quesito, a Rio-Niterói (8,8 km)”10. O empreendimento inclui ainda acessos viários em Salvador, nova rodovia expressa em Itaparica, e “recuperação e ampliação de trecho da rodovia BA-001”11. O projeto da ponte “faz parte de um plano de desenvolvimento socioeconômico da Bahia, que estima a criação de 100 mil postos de trabalho diretos e indiretos ao longo dos 35 anos de PPP. Cerca de 250 municípios serão beneficiados com a redução da distância em mais de 100 quilômetros e de 90 minutos no tempo de deslocamento até a capital baiana”12. O chairman da CCCC South America, Chang Yunbo, destaca ainda, em matéria disponível no site da empresa “Concremat”, que pertence ao grupo CCCC, que “o projeto tem a sustentabilidade como pilar e prevê o mínimo impacto ambiental possível. Todos os procedimentos atenderão rigorosamente os compromissos ambientais estabelecidos pelos órgãos competentes”14 além de um Plano Básico Ambiental. A nova ponte facilitará e reduzirá o tempo de travessia para a ilha de Itaparica, além de “promover o desenvolvimento de diversas regiões do estado, como o sul do Recôncavo, Baixo Sul e Oeste da Bahia, além de todo o litoral sul e Região Metropolitana”15.
Conclusão
A China moderna, constituída a partir da fusão entre três estados – o Estado Milenar, o Estado Revolucionário (1949) e o Estado Desenvolvimentista (1978), oferece uma alternativa de construção de mundo pautada não apenas na integração entre seu território continental, mas também entre economias e culturas. A integração de dentro pra fora e de fora pra dentro, em que mercados e desenvolvimento interno e externo se reforçam, a partir de uma cadeia de infraestruturas e de projetos de desenvolvimento em conjunto, deixa claro e evidente o papel central que uma empresa como a CCCC desempenha nessa equação, posicionando-se na vanguarda do desenvolvimento chinês.
Aluno: Marlon Coí Rojas
Ocupação: Bacharelando em Letras (Tradução)
Bibliografia / Referências
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“Hong Kong-Zhuhai-Macao Bridge: A game changer for the Pearl River Delta” em: https://news.cgtn.com/news/3d59444f3451444e/share_p.html
1,2,3 Chinese Poverty Alleviation Studies: A political Economy Perspective. (2021) New China Research Xinhua News Agency
Disponível em: http://www.xinhuanet.com/english/2021-02/28/c_139773760.htm
4 “The Value of Belt & Road Initiative” em: https://www.beltandroad.news/the-value-of-belt-and road-initiative/
5 “China es la puerta para desarrollo sin imposiciones en América Latina, afirma experto” – Entrevista disponível em:
http://spanish.xinhuanet.com/2019-05/17/c_138064386.htm
6 Canal “Radar China” no Youtube: https://www.youtube.com/c/RadarChina/videos
7 “Entrevista com a Cônsul-Geral da China em Recife, Yan Yuqing” em:
https://www.youtube.com/watch?v=W5IkHYaeAns
8 “Começa a primeira fase da construção do Porto de São Luís” (Agosto, 2018) em: https://www.concremat.com.br/comeca-primeira-fase-da-construcao-do-porto-de-sao-luis/
9,10,11,12,13,14,15 “CCCC firma contrato para construir a maior ponte da América Latina, que fará a ligação entre Salvador e Itaparica” em: https://www.concremat.com.br/cccc-firma-contrato-para construir-maior-ponte-da-america-latina-que-fara-ligacao-entre-salvador-e-itaparica/
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