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Mandarim para brasileiros

Há um ano comecei a estudar mandarim. Desde criança gosto de aprender idiomas estrangeiros. Com o tempo isso levou a uma carreira em relações internacionais. Contudo, esta é a primeira vez que embarco no desafio de uma língua não-Ocidental, fora da familiaridade do inglês ou das linguagens neolatinas. O resultado tem sido estimulante e desafiador.

Quando digo que estou aprendendo chinês, a maioria das pessoas exclama, “Deve ser muito difícil!” Minha resposta: nem tanto. É diferente, mais do que complicado. O mandarim nos leva a repensar a relação das palavras com as ideias e o mundo, incluindo o sentido do tempo.

Os chineses chamam seu idioma por três nomes: 汉语, (hanyu, literalmente, “língua do povo han”), 中文 (zhongwen, chinês) e 普通话 (Putonghua, língua geral). O termo “mandarim”, que usamos no Ocidente, é uma invenção dos missionários jesuítas para descrever o idioma formal com o qual conversavam com os altos funcionários imperiais e com os intelectuais. Era o idioma da Corte, distante dos muitos dialetos e variações regionais falados nos vilarejos chineses, ou de outras línguas do país, como o cantonês e o tibetano.

Após a proclamação da república na China, em 1911, o governo iniciou um longo processo de reforma do mandarim, visando a torná-lo mais simples, para facilitar a alfabetização popular e padronizá-lo nacionalmente. Esses esforços foram completados pelo governo comunista e constituem a base atual da língua. Em Taiwan ainda é usado o formato clássico, do final do período imperial.

Os Caracteres e o Sistema Pinyin

As línguas ocidentais usam alfabetos fonéticos, onde cada letra representa um som. As palavras são formadas a partir da união de várias letras. O mandarim não tem alfabeto, em seu lugar possui caracteres que via de regra simbolizam uma ideia, um conceito (há elementos fonéticos em alguns deles, mas esse não é o padrão). Por exemplo, 好(hao), significa “bom” e é formado a partir da junção dos caracteres de feminino e filho.

Quantos caracteres existem em chinês? “Tantos quantos são as palavras e as coisas”, dizia Matteo Ricci, um jesuíta italiano que viveu na China nos séculos XVI e XVII. As estimativas é que sejam atualmente dezenas de milhares, mas com o domínio de mil deles é possível se orientar nas situações do cotidiano e ler jornais ou revistas.

“Maurício, eu não consegui decorar nem mil gols do Flamengo!”, me disse um de meus amigos mais inteligentes. Talvez, mas temos a capacidade para tanto. Os jesuítas como Ricci tinham técnicas de memorização que os auxiliavam nessa tarefa, em nosso caso trata-se de exercitar a mente para aprender os intricados traços que formam cada caracteres — na realidade, são formados por múltiplas combinações de apenas oito elementos básicos.

A beleza dos caracteres é um convite à caligrafia, que na cultura chinesa é uma arte muito respeitada e valorizada, de um modo que não tem paralelo no Ocidente. Para quem, como eu, não escrevia à mão desde criança, é um desafio voltar a empunhar lapiseiras e buscar a simetria e o equilíbrio exigidos pelo mandarim.

Quando os europeus começaram a viajar à China com frequência, desenvolveram sistemas para representar o chinês nos alfabetos ocidentais. Porém, o mais utilizado hoje em dia é uma criação dos próprios chineses, na década de 1950: o Pinyin. É simples, elegante e muito útil para o aprendizado da língua pelos brasileiros.

Por meio dele, cada caractere é convertido numa sílaba com letras ocidentais. Acentos gráficos são utilizados para identificar os quatro tons do chinês (ver abaixo).

O Pinyin também é uma ferramenta importante para os chineses, facilitando a utilização de computadores e telefones celulares, que seguem os padrões linguísticos ocidentais em seus teclados. Aplicativos ajudam os usuários a converterem Pinyin em ideogramas nos aparelhos eletrônicos.

A gramática chinesa é mais fácil do que você pensa

Para quem está acostumado com a prolixidade das regras dos idiomas neolatinos, a gramática do mandarim é de espantosa simplicidade. Via de regra, as palavras não têm gênero (há poucas exceções, como pronomes pessoais e termos sobre relações de família), não há singular ou plural, os verbos não flexionam, quase não se usam preposições ou artigos.

Por conta dessas características, o mandarim tem uma estrutura mais rígida de frase, para indicar ao seu interlocutor o tempo do verbo ou uma qualidade do substantivo. Em português podemos dizer “Amanhã vou à China” ou “Vou à China amanhã”. Em chinês, só a primeira construção é gramaticalmente correta.

Quatro tons de chinês

O chinês é uma língua tonal. A mesma palavra pode ter significados diferentes dependendo do tom no qual é pronunciada. “Ma”, por exemplo, pode ser mãe, cavalo, o verbo “xingar” ou ser uma partícula interrogativa utilizada para mostrar que a frase é uma pergunta. Cada uma é representada por seu próprio ideograma.

Em mandarim há quatro tons, que se diferenciam pelos altos e baixos de sua pronúncia. Naturalmente, isso às vezes confunde a nós, brasileiros. Por exemplo, o segundo tom se assemelha a uma interrogação, mas não indica que perguntamos algo. O quarto tom, que começa alto e termina baixo, às vezes soa para nós como um sinal de irritação, embora não tenha qualquer sentido emocional.

Por conta dessas características tonais, o mandarim tem uma beleza musical que impressiona os ouvidos brasileiros, quase como se as frases adquirissem o ritmo de canções.

Por que estudar mandarim?

A China é o maior parceiro comercial do Brasil desde 2009 e no ano passado foi a terceira maior investidora (atrás apenas dos Estados Unidos e da Suíça). Conhecer o idioma e a cultura chinesa é um diferencial que abre oportunidades profissionais interessantes, em especial porque poucos brasileiros têm se dedicado a buscar essa formação.

Essa é uma motivação importante para muitos dos colegas que estudam mandarim, mas não creio que seja a fundamental. Afinal, também é possível construir boas perspectivas de carreira dedicando-se ao inglês ou a outro idioma ocidental mais fácil de aprender.

O mais interessante do chinês está em sua diferença radical do português e como esse contraste renova nosso olhar — sobre o mundo e com relação à própria estrutura da linguagem, em como os idiomas podem representar as ideias e a realidade.

A milenar cultura chinesa e sua crucial experiência de renovação econômica abrem as portas para a Ásia e ajudam a situar o Brasil para além de nossas tradicionais relações diplomáticas com as Américas e a Europa. Num momento em que o Ocidente vive uma crise, é um bálsamo ter outra perspectiva diante das palavras e das coisas.

Onde Estudar

Estudo mandarim no OiChina, no Rio de Janeiro, uma excelente escola que recomendo muito.

Na década de 2000 a China criou o Instituto Confúcio, órgão oficial para difundir a cultura chinesa no exterior. No Brasil, ele tem sedes em parcerias com universidades no Distrito Federal e nos estados do Ceará, Minas Gerais, Pará, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo.

Maurício Santoro
Doutor em Ciência Política, professor-adjunto do Departamento de Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Fonte: https://medium.com/@mauriciosantoro1978/mandarim-para-brasileiros-5440ed1a1499

31 de julho de 2019

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