Não é novidade que a China é um país de grande e crescente relevância global. Particularmente em termos econômicos, em 2020, o país possuía população de 1,4 bilhões (maior do mundo) e um produto interno bruto (PIB) de US$ 14,84 trilhões (2º maior do mundo), alcançando quase 17% do PIB mundial. Em termos de relações internacionais, a política externa chinesa proposta pelo Presidente Xi Jinping evidencia o papel chave do país na definição dos rumos da geopolítica do presente século.
Contudo, quando se fala da famosa nova “rota da seda”, é necessário compreender o simbolismo histórico e cultural que ela representa para a China. De fato, remete-se ao período em que a China (中国) era o centro da economia euroasiática, há alguns séculos. A Figura 1 apresenta o mapa dos principais corredores associados à recente iniciativa.
Conhecida inicialmente por “One Belt One Road – OBOR” (Um Cinturão, Uma Rota ou 一带一路) e tendo sido apresentada em 2013, pode ser compreendida como o maior plano de investimentos (terrestres e marítimos) da história, focando em infraestrutura (portos, gasodutos, rodovias e ferrovias, por exemplo) e ultrapassando US$ 4 trilhões. Contemplava inicialmente mais de 60 países, supera 60% da população mundial e 30%
do PIB global. Em janeiro de 2021, o número de países que aderiram à BRI, assinando um Memorando de Entendimento (MoU) com a China, era de 140.
Mais recentemente, tem-se usado o termo “Belt and Road Initiative” (Iniciativa do Cinturão e Rota), com o “belt” fazendo referência à “Silk Road Economic Belt” e o “road” ao “Maritime Silk Road”. Em 2017, o Presidente Xi resumiu bem a iniciativa, afirmando que “a China promoverá ativamente a cooperação internacional por meio da Belt and Road Initiative. Ao fazer isso, esperamos alcançar conectividade de política, infraestrutura, comércio, finanças e pessoa a pessoa e, assim, construir uma nova plataforma de cooperação internacional para criar novos impulsionadores de desenvolvimento compartilhado”.
Com financiamento vindo sobretudo da administração estatal, conta também com a participação de atores privados, fundos de investimento e bancos regionais e multilaterais de desenvolvimento. Enfrentando desafios de ordem política e, inclusive, ambiental, é entendida como uma grande estratégia perante a Europa, Ásia e África. No entanto, fica claro que o grande investimento chinês em embarcações e bases marítimas (inclusive no exterior) evidenciam a relevância marítima na viabilidade do BRI, inclusive podendo ir para além dessas regiões. No documento intitulado “Visão para a cooperação marítima no âmbito da iniciativa Belt and Road”, a China afirma buscar construir plataformas de cooperação abertas e inclusivas, assim como estabelecer uma Parceria Azul construtiva e pragmática para forjar um “motor azul” para o desenvolvimento sustentável.
Nele, fica clara a relevância da economia azul na BRI, conforme destacado por meio dos seguintes temas:
- Desenvolvimento verde: salvaguardar a saúde e a biodiversidade do ecossistema marinho; promover a proteção do meio ambiente marinho regional; fortalecer a cooperação para lidar com as mudanças climáticas; e fortalecer a cooperação internacional de carbono azul;
- Prosperidade baseada no oceano: aumentar da cooperação na utilização dos recursos marinhos; atualização da cooperação da indústria marinha; promoção da conectividade marítima; facilitação do transporte marítimo; fortalecimento da conectividade da infraestrutura e redes de informação; e participação nos assuntos do Ártico;
- Crescimento inovador: construção de plataformas para cooperação de tecnologia marinha; construção conjunta de plataformas de aplicação marítima inteligente; realização de educação marinha e intercâmbio cultural; e promoção conjunta da cultura relacionada ao oceano; e
- Governança colaborativa: desenvolver mecanismos de diálogo de alto nível para assuntos marinhos; desenvolver mecanismos para cooperação na economia azul; conduzir conjuntamente o planejamento espacial marinho e sua aplicação; fortalecer a cooperação por meio de mecanismos multilaterais; aumentar a cooperação entre think tanks; e fortalecer a cooperação entre organizações não governamentais.
Olhando desde a perspectiva do Brasil, cabe destacar o papel estratégico da China, assim como o interesse mútuo em promover a economia azul. A China é o nosso principal parceiro comercial desde 2009, principal destino das nossas exportações (32,3%, em 2020, totalizando US$ 67,8 bilhões) e principal origem das nossas importações (21,4%, em 2020, totalizando US$ 34,0 bilhões).
A Figura 2 apresenta a crescente participação do mercado chinês no Brasil, em termos de exportações e importações. Cabe destacar, ainda, a relevância do país em termos de investimentos no Brasil, assim como o crescente intercâmbio cultural.
Figura 2. Evolução das exportações/importações brasileiras por destino (país), em termos de participação (%, eixo da esquerda) e total para/da China (US$ bilhões, eixo da direita)
Por fim, vale destacar que a influência histórica secular da rota da seda faz da iniciativa uma estratégia intertemporal, amarrando passado, presente e futuro. Consequentemente, pretende-se reformular as relações internacionais e o desenvolvimento econômico em escala global. Sendo assim, busca-se (i) coordenação de políticas econômicas; (ii) aumento da cooperação regional; (iii) maior conectividade das infraestruturas; e (iv) crescente integração financeira, de modo que o BRI pode ser entendido como um “apelo por uma nova ordem mundial multipolar”. Isso reflete a ousadia do BRI, expressa em seu volume financeiro, no total de países envolvidos, na quantidade de setores, bem como no potencial de impactar os rumos da geopolítica e da economia global no século XXI.
Autor:
Prof. Dr. Thauan Santos
Escola de Guerra Naval (EGN) do Brasil.
REFERÊNCIAS:
https://data.worldbank.org/country/China
https://asia.fes.de/news/analysis-the-belt-and-road-initiative-in-malaysia/
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